28.4.15

Os linfócitos, as metáforas e o aikido corpo-ki

Em tempos de mudanças de temperatura, pelo menos aqui em São Paulo, as drogarias lotam de pessoas alérgicas e/ou gripadas com muito mais frequência. Isso me fez pensar ultimamente sobre o nosso sistema imunológico.

Aqueles que estudaram biologia no século XX devem se lembrar de ter aprendido que os linfócitos, também conhecidos como glóbulos brancos, eram os "soldadinhos" do corpo. 

No entanto, em 1994, Francisco Varela e Mark Anspach*, ao atentarem para a característica de diferenciação dos linfócitos entre si, concluíram que  os anticorpos  produzidos  pelos linfócitos formam o grupo molecular mais diversificado do corpo. Os linfócitos são qualificados para garantir a constante mudança e a diversidade de outras moléculas. Circulando no organismo, os linfócitos podem encontrar tanto com moléculas de tecido orgânico (self) como com antígenos (não-self), ou seja,  têm uma função de reconhecimento. Os autores descobriram que a constante troca nos linfócitos envolve um processo ativo que inclui aprendizagem e memória. Assim, o sistema imunológico além da função defensiva, apresenta capacidade cognitiva inegável. Esta mudança de metáforas - do exército para a de rede inteligente com habilidade cognitiva  nos faz concluir: pensamos e aprendemos com o corpo todo e não apenas com o cérebro e o sistema nervoso.

Francisco Varela (1946-2001) encontrando com o 14º Dalai Lama

O entendimento desta nova metáfora, reforça portanto, as teorias do corpo integrado  a que se refere a filosofia oriental (em contraponto ao corpo em partes do pensamento predominante ocidental, o corpo tratado pelas especialidades médicas específicas) e da íntima relação entre doença/aprendizado.

Já que falamos em metáforas, é interessante pontuar que para alguns pesquisadores - Lakoff e Johnson, Metaphors we live by, 1980 - todo nosso sistema conceitual é metafórico. Estruturamos uma experiência a partir de outra - as chamadas metáforas estruturais. A própria etimologia da palavra - que vem do grego - μεταφορά - transporte ou transferência, ou seja, com o uso de metáforas acontece um transporte de pensamentos.  Para uma a metáfora servir como veiculo para o entendimento é necessária a experiência corporal prática, o que a torna uma metáfora incorporada (embodied cognition).  A cognição é uma atividade dinâmica sensório-motora e portanto, experimentada não apenas pela atividade neural, mas emerge das atividades do corpo do indivíduo.

O aprendizado do Aikido Corpo-Ki - arte marcial e portanto corporal - promove uma experiência prática corporal que se vale da metáfora ataque/defesa para estimular a incorporação do estado de harmonia interior do indivíduo. Embora tenha se desenvolvido muito antes de tais teorias, o Aikido Corpo-Ki se vale da premissa da embodied cognition, ou seja, metáforas em práticas pelo corpo são incorporadas à mente e consequentemente, às atitudes do indivíduo.

Aqui voltamos à metáfora militar, uma vez que o Aikido foi desenvolvido a partir dos princípios do budô, as artes marciais ensinadas com o objetivo de defesa militar. Mas o Aikido Corpo-Ki não pretende que esta ideia seja levada ao pé da letra. A prática procura criar uma tensão para que esta seja superada, não apenas na realidade do tatame, mas na realidade do indivíduo. Muitas pessoas confundem essa proposta, imaginando que o principal "efeito" do Aikido Corpo-Ki em suas vidas seria a capacidade de se defenderem no caso de um assalto, por exemplo. Muito além de ser literal, o Aikido Corpo-Ki nos prepara para outros tipos de ataques, situações agressivas com as quais nos deparamos no nosso dia-a-dia, que podem surgir desde um singelo telefonema a um trânsito tenso. Paulistanos sabem bem sobre esse tipo de experiência...

Assim como os linfócitos nos ajudam a aprender sobre aquilo que é estranho e perigoso para nós, as práticas do Aikido Corpo-Ki nos preparam para estarmos alertas para aquilo que nos é potencialmente agressivo, seja vindo de fora, mas sobretudo vindo de nós mesmos. 


*fonte: GREINER, C. O Corpo. Pistas para estudos indisciplinares

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