25.11.14

O fígado e o Aikido Corpo-Ki

O título pode parecer estranho.  Qual seria o sentido, a primeira vista, em associar o fígado, um órgão interno dedicado a depuração, a uma arte corporal, e não falar dos músculos e articulações?
Mas segundo a visão da medicina tradicional chinesa o fígado é um órgão com profundas relações entre os músculos e tendões.

Dentro da filosofia dos Cinco Elementos, o corpo humano em harmonia funciona em sintonia a ciclos nos quais a energia segue em fluxo ressonando dinamicamente cinco qualidades energéticas distintas, os cinco elementos: Madeira, Fogo, Terra, Metal, Água.

Os elementos se inter relacionam e se influenciam mutuamente. Uma primeira relação é a mãe-filho: um elemento gera o outro. Por exemplo: a madeira é mãe do fogo (fornece o combustível para ele), o fogo é mãe da terra (as cinzas geradas da combustão), a terra é mãe do metal (é na terra que estão os minerais), o metal é mãe da água (são eles que tem a capacidade para represar a água e conte-la) e por sua vez, fechando o Ciclo Sheng, a água é mãe da madeira (alimentando todas as plantas).

O "elemento"* Madeira em particular é aquele que ressoa com a energia do fígado**. Nessa mesma sintonia os chineses associam vários outros elementos: a primavera, o vento, a cor verde, o poder do crescimento, tal como o broto que supera o peso da terra e ascende. Tem-se aí a conexão com a energia yang de força para poder nascer, criar, iniciar algo. É a energia crucial para se realizar mudanças.



Entretanto, desequilíbrios no sistema Fígado revelam também a outra faceta dessa mesma vibração: a da energia da raiva. A raiva é a emoção que se sente quando ao tentar realizar uma mudança nas circunstâncias da sua vida e alterar suas limitações pessoais, mas por algum motivo, essa mudança não acontece.  Muitas vezes a raiva não é sentida como uma explosão de fúria,  mas como uma sensação de frustração e irritabilidade, por um lado. Por outro, a energia estagnada no corpo pode ser sentida como amargura, desânimo e ressentimento.

Dessa forma, a energia mal direcionada -  por ser colocada em excesso  numa situação ou represada, por circunstâncias externas - gera desequilíbrios no sistema fígado. E o corpo reage: os ligamentos tendem a ficar ou muito rígidos ou muito flácidos. Como consequência, os movimentos ficam menos precisos e as articulações podem se tornar doloridas e menos estáveis. O retesamento da musculatura do pescoço e da parte superior do dorso também são comuns.

Dentro dessa ideia de ressonância mas no âmbito da personalidade, observa-se que pessoas que tendem a vibrar muito com a energia Madeira/Fígado são aquelas que, quando equilibradas mostram um comportamento empreendedor e assertivo, produzindo para crescer. E, no entanto, quando desequilibradas, podem oscilar entre extremos: ser autoritário, inflexível, desafiante, irritável e indignado, quando a energia está muito yang. Ou ainda, quando muito yin, mostram-se apáticos, excessivamente cordatos, passivos, desorganizados e indiretos.

É nesse ponto que vejo o Aikido Corpo-Ki como ferramenta importante para esse tipo de indivíduo. Pois o Aikido Corpo-Ki além de trabalhar com os fluxos energéticos, foca-se muito na manutenção da flexibilidade das articulações.  Assim, o estado de rigidez vai se amenizando com as sequentes torções executadas ao longo do treino. Quando percebemos, estamos realizando os alongamentos, até mesmo fora do tatame!

O Kiai de Morihei Ueshiba. O grito é uma das manifestações da energia Madeira/Fígado

Em relação ao excesso de agressividade, ele também é um dos desafios propostos pelo Aikido Corpo-Ki. Quando se inicia um ataque com muita fúria é provavel que um acidente com algum machucado aconteça. Depois de alguns roxos pelo corpo (quando isso acontece de forma amena...) começamos a entender o grau de energia que devemos colocar em um ataque.  Nem muito, excessivo, nem pouco....
Porque também aprendemos que um ataque apático não gera resposta. E nesse sentido, aqueles que vivenciam a fase "apática" de um desequilíbrio Madeira/Fígado são treinados no sentido de se colocarem com mais firmeza - e no entanto - flexibilidade.

Assim, as questões chaves do elemento Madeira/Fígado - iniciativa/ataque, resposta/flexibilidade - são também as questões chaves que ecoam com os princípios do Aikido Corpo-Ki trabalhados no Tatamito. E nada melhor para uma pessoa que é dada a esses desequilíbrios do que muito trabalho corporal, mantendo o fluxo energético sempre em movimento!



*elemento é o termo usado tradicionalmente, mas deve-se entendê-lo sobretudo como qualidade energética.
** na realidade o medicina chinesa associa tanto o Fígado quanto a Vesicula Biliar ao elemento Madeira.

17.11.14

Hara

Hara é uma das primeiras palavras japonesas que escutamos ao começar a praticar o Aikido. Trata-se do centro energético do corpo de onde deve partir a intenção do movimento.

Como ocidentais, a maioria de nós tende a entender que a mente localiza-se no cérebro, e também normalmente inicia sua intenção de movimento a partir da cabeça. E aí começam as dificuldades, pois sentir o hara na região da barriga é um desafio que exige constante pesquisa até se conseguir  iniciar o movimento a partir dele.

No entanto, a consciência do centro energético no meio da cabeça não deve ser descartada:
"O movimento começa no centro do hara, o tanden no ichi ou "um ponto", onde a mente do aikidoca está focada. O conteúdo espiritual do aikido pode ser expresso em uma palavra, hara, cujo significado se estende de "barriga" até "coração-mente" ou "alma". Hara não é apenas o centro físico do corpo, devidamente compreendido, é também o centro de nossa energia espiritual.

O kotodama do hara é ha (oito) e ra (espiralando para fora). Assim como o coração bombeia sangue para fora para nutrir as células físicas do corpo, o hara distribui o ki para todas as partes do corpo. O processo de distribuição do ki pode ser controlado pela concentração. No centro de nosso cérebro há um outro centro produtor de energia, ou hara, de onde nova consciência nasce. Quando os dois centros se combinam, grande poder espiritual pode ser alcançado.

(...) Praticando aikido diariamente, unem-se esses dois centros verticalmente; a força de vontade (o desejo, a decisão - do ingles will) se enraiza no centro físico do corpo e o excesso de atividade da mente cessa. Céu (mente) e terra (corpo) são unidos pelo espírito (will) . Dessa forma, o sentido completo de hara, corpo-mente, se concretiza." (GLEASON, 1994)


16.11.14

Flow no Aikido

Estado de Flow é um conceito desenvolvido por Mihaly Csikszentmihalyi. Quando estamos em flow estamos focados, felizes, serenos, com um sentimento de clareza e crescimento pessoal .
Praticando Aikido há mais de dez anos, percebo que essa atividade nos permite alcançar um estado de flow.

No video abaixo, o autor de  Flow - the psycology of optimal experience fala sobre isso:



14.11.14

A imagem corporal e aikido

Imagem corporal é o esquema visual corporal que temos a respeito de nosso próprio corpo. Graças a ela reconhecemos nossa postura e nossos movimentos. Essa imagem é também a responsável por conseguirmos utilizar objetos que participam dos nossos movimentos, como o bokken (espada) de Aikido por exemplo, que é algo que se adiciona à nossa imagem corporal a medida que praticamos.



foto: André Lopes

A imagem corporal se fundamenta a partir de nossas percepções, nas relações entre nossos sentidos e movimentos em geral e em nossas emoções. Precisamos da imagem corporal para iniciar os movimentos.

Ao praticarmos Aikido Corpo-Ki, vivenciamos deslocamentos relativos ao outro e a nós mesmos no espaço a partir de impressões visuais e táteis assim como impressões cinestésicas que se colocam em relação ao nosso próprio modelo postural. Sempre que as impressões visuais forem insuficientes para nossa orientação, as impressões táteis e as cinestésicas são utilizadas.

Curioso é notar que nosso modelo postural se relaciona e está interligado com o dos outros. As experiências em patologia confirmam que quando nós perdemos a orientação direita/esquerda em nosso corpo, também a perdemos em relação ao corpo do outro. (SCHILDER, 1981)

A nossa sensibilidade postural - algo continuamente trabalhado no Aikido pelo kamae e reajuste do ma-ai - é fundamental para a construção do conhecimento não apenas do nosso corpo mas da nossa relação com o outro.

O Aikido Corpo-Ki é uma prática que acontece a partir da interação com o outro. Sabendo que a  dificuldade na percepção do nosso corpo precede a dificuldade na percepção do outro, coloca-se como vital para o praticante o conhecimento de seu próprio corpo. E isto acontece sobretudo quando uma boa preparação é feita: antes de iniciar propriamente os golpes, os exercícios de alongamento e respiração devem ser feitos com o máximo de concentração e consciência pois vão colaborar com a construção da imagem corporal do praticante.


10.11.14

TAO

"Os chineses antigos desconheciam a concepção dualística do universo, como foi demonstrada pelos trabalhos de Aristóteles, mais tarde firmemente confirmada no Ocidente por Descartes e Newton, - e na qual se firma toda a estrutura de nossa ciência experimental. Dentro do discernimento taoísta em face da vida, o homem era uma parte integrante do Universo. O pensamento taoísta não fez divisão acentuada entre matéria e não-matéria, o natural e o que a civilizaçao ocidental costuma designar como sobrenatural.




A harmonia foi considerada o princípio básico da ordem universal, o campo da força cósmica onde Yin e Yang eternamente se complementan e se transmutam. O dualismo europeu observa o físico e o metafísico como duas entidade distintas, quando muito como causa e efeito, mas nunca unidos como som e eco, luz e sombra, como no símbolo chinês para todos os acontecimento : Yin e Yang.

(...) Entretanto, com o advento dos físicos atômicos, descobertas baseadas em experiências demonstráveis vieram negar a teoria dualística e a correten de pensamento desde então voltou-se para a concepção monística dos veneráveis taoístas.

Na física atômica, nenhuma distinção é reconhecida entre matéria e energia, nem seria possível estabelecer tal diferença, uma vez que, na realidade, são uma só essência ou, em ultimo caso, dois polos de uma mesma unidade.

(...) Matéria e energia (para os os chineses, Qi, para os japoneses ki), Yang e Yin, céu e terra são considerados como essencialmente uma só coisa ou como dois polos coexistente do todo indivisível."

(in MANN, F. Acupuntura. A arte chinesa de curar. São Paulo: Hemus. 1994. p.21)